sábado, 16 de junho de 2012

Laurentino Gomes - 1822

Foto: Maiara Alves
1822
ISBN: 9788520924099
Autor: Laurentino Gomes
Editora: Nova Fronteira
Páginas: 351
Gênero: História do Brasil

Sobre: Nesta nova obra, o escritor Laurentino Gomes, autor do best-seller 1808, sobre a fuga da família real portuguesa para o Rio de Janeiro, mostra como o Brasil, um país que tinha tudo para dar errado, deu certo em 1822 por uma notável combinação de sorte, improvisação, acasos e também de sabedoria das lideranças responsáveis pela condução dos destinos do novo país, naquele momento de grandes sonhos e muitos perigos.

Opinião: Comprei o livro em Abril do ano passado, quando ainda não estudava História e só o li este ano - acredito que no momento certo -, quase no fim da disciplina que aborda a transição no Brasil de Colônia para Império. Não tiro seu valor: foram milhares de cópias vendidas entre o 1808 e este, 1822; é importante também que o livro tenha não apenas sido bastante vendido, como também lido, porém o jornalista deixa brechas para interpretações inocentemente tendenciosas de leigos. E isto é grave.

Divido em 22 capítulos, com um recorte de 45 anos (1789-1834: desde a decapitação dos monarcas franceses, à morte de D. Pedro I) e utilizando fontes impressas o autor relata os fatos que culminaram no cultuado 1822. Gomes neste livro foi orientado por Alberto da Costa e Silva, renomado historiador, e também diplomata, brasileiro. Mas, talvez por esta condição e com o objetivo de valorizar possíveis laços entre Brasil e Portugal (como foi o objetivo de 1808) relata que o Processo de Independência do Brasil "resultou menos da vontade de brasileiros do que das divergências entre os próprios portugueses" (p.21). Os portugueses contribuíram sim, mas a Independência política do Brasil de Portugal foi muito além disto, como disse na minha prova.

Sobre este assunto, uma das principais questões de debate para historiadores é: como a América portuguesa permanceu unida enquanto que a América espanhola se fragmentava em territórios independentes? Para Gomes, baseado em Sérgio Buarque de Holanda e Maria Odila Leite da Silva Dias, a elite colonial de todas as províncias temiam uma rebelião escrava (como a do Haiti, por exemplo), já que estes constituiam a maior parte da população. Outro ponto interessante é sobre o "mito" do grito da Independência e sobre o famoso quadro de Pedro Américo veiculados nos livros didáticos: para alguns não ouve o grito e o quadro de Américo teria sido inspirado em "Napoleão Friedland" do francês Jean-Louis Ernest.

Imagem: Google Imagens/Reprodução
Gomes ressalta que a obra de Américo tinha o objetivo de fortalecer o ocorrido bem como o imaginário às vésperas da proclamação oficial da República. Além desse mito, Gomes desconstrói (ou mostra apenas determinadas versões) outros como o grito no Rio Ipiranga ou D. Pedro ter composto o atual Hino da Independência. Além de enaltecer a relação histórica entre Portugal e Brasil, o autor elege José Bonifácio à patriarca da Independência e afirma que "sem ele, o Brasil de hoje provavelmente não existiria" (p.146). Um leitor leigo interpretaria isto de forma errônea, pois da mesma forma que os historiadores não sabem o que manteve o Brasil unido no século XIX não se pode creditar apenas uma pessoa à isto, Bonifácio contribuiu sim para o Processo de Independência, bem como nas medidas que mantiveram o território unido, mas creditá-lo somente surtiria o mesmo efeito que os positivistas objetivam com a história tradicional e todo o trabalho do autor (e de historiadores com outras obras) em desconstruir os mitos e interpretações tendenciosas a respeito do que ocorreu em 1822 seria em vão. 

Uma das brechas está na página 220, quando sobre o Poder Moderador o autor afirma:
"Lido ao pé da letra, poderia dar a entender que D. Pedro I mantinha a condição de monarca absoluto, tanto quanto haviam sido seu pai, D. João VI, sua avó, D. Maria I, e seu bisavô, D. José I. Mas era só aparência. O simples fato de haver uma constituição, ainda que outorgada, significava que o poder do imperador, doravante, tinha limites."
Na teoria o Poder Moderador tinha limites sim, mas assim como a nossa constituição atual, nem sempre as leis se fazem na prática e isso ocorreu com o Poder Moderador; da forma como o autor colocou subentende-se que não. Outra colocação "perigosa" é a de que o inglês Cochrane teria decidido a Independência aqui na Bahia, e, assim como não devemos creditar as medidas de Bonifácio, como conselheiro do Imperador, à respeito da união do território na época, responsabilizar Cochrane pela vitória dos brasileiros sob os portugueses pela Independência aqui na Bahia é um erro.

Estou no fim do segundo semestre e pude ver algumas colocações equivocadas no livro, provavelmente daqui a alguns anos verei mais e mais, e só as percebi porque tive acesso à outras fontes, outros pontos de vista e esta é a mesma postura que todos que lêem livros de História (e de qualquer outra área de conhecimento) devem ter. Utilizei o livro, bem como outras fontes, para a prova sobre o processo de independência e o considero uma análise quase ampla da discussão historiográfica sobre a Independência.

Foto: Maiara Alves
Foto: Maiara Alves
Foto: Maiara Alves
Quotes
"A Independência do Brasil ocorreu no meio de uma transformação importante na economia brasileira. A produção de açúcar e a mineração de ouro e diamantes estavam em decadência. Eram as duas grandes riquezas que haviam sustentado a prosperidade da colônia e sua metrópole nos séculos anteriores. Muito dependente da mão de obra escrava, a produção açucareira entrara em declínio devido ao crescente combate ao tráfico negreiro pela Iglaterra e à mudança de tecnologia nos mercados competidores." p.59
"Pouco mais adiante, ao passar pela cidade de Paranaguá e a vizinha vila de Guaratuba, Saint-Hilaire encontrou pessoas em estado de desnutrição tão profunda que adquiriram o hábito de comer terra na tentativa de repor vitaminas e sais minerais." p.71
"Um segundo enigma tem a ver com a sua vida privada. Bonito, famoso, solteiro e sem filhos, Neukomm tem seu nome numa lista de quatro homossexuais não assumidos da corte de D. João, elaborada pelo antropólogo Luiz Mott, presidente do Grupo Gay da Bahia. Os outros três seriam D. João de Almeida de Melo ne Castro, o conde de Galvêas; Francisco Rufino de Sousa Lobato, visconde de Vila Nova Rainha; e o próprio D. João.". P. 78
"A Bahia decidiu o futuro do Brasil na sua forma atual, mas a festa do Dois de Julho é hoje praticamente desconhecida pelos brasileiros das outras regiões. Ao contrário do Carnaval, e apesar de também reunir milhares de pessoas, raramente é notícia nos jornais e emissoras de rádio e televisão fora da própria Bahia. Porém, um visitante desavisado que chegar à capital baiana nessa data perceberá logo ao desembarcar uma nota dissonante: o aeroporto de Salvador, que até alguns anos atrás se chamava Dois de Julho, mudou de nome. Agora, chama-se Luís Eduardo Magalhães, em homenagem ao político baiano falecido em 1998. É uma prova de que o coronel da atualidade será sempre mais lembrado do que todas as lutas gloriosas do passado." p.206
 Laurentino Gomes esteve no Programa do Jô, em 2010, falando sobre o livro.






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